Quantcast
Channel: TRIP // Blogs // Blog da Trip
Viewing all articles
Browse latest Browse all 60

RIP: Paulo Vanzolini

$
0
0

Gabriel Rinaldi

Paulo Vanzolini em sua casa

Paulo Vanzolini em sua casa

O compositor e zoólogo Paulo Vanzolini morreu neste domingo, aos 89 anos, vítima de complicações decorrentes de uma pneumonia. Ele estava internado desde a noite da última quinta (25) na UTI do hospital Albert Einstein, em São Paulo. Autor de composições clássicas, como “Volta por cima” e “Ronda”, Vanzolini, ele nunca se considerou músico e sim zóologo, sua verdadeira vocação. Foi um dos idealizadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), onde trabalhou por mais de 40 anos. Sua importância, tanto pra ciência quanto pra arte, é inegável. Vanzolini deixará saudade.

A Trip entrevistou o compositor e zoólogo em agosto de 2011, na edição especial Bichos, assunto que ele dominava (leia aqui)

ENTRE COBRAS E LAGARTOS
Famoso pela música, Paulo Vanzolini fala sobre suas duas maiores paixões na vida e crava: “Sou zoólogo!"

Em 1934, o pequeno Paulo Vanzolini fez um acordo com seu pai. Em troca de boas notas no colégio, ganharia uma tão sonhada bicicleta para seu aniversário de 10 anos. Dito e feito. Saiu-se bem nas provas (hábito que cultivou por toda a vida) e, assim que recebeu sua parte do trato, atirou-se em uma ainda pacata São Paulo. Do Jardim Paulistano, onde nasceu e foi criado, o moleque atravessou o rio Pinheiros e deu no bairro do Butantã. Descansando da longa pedalada, entrou pela primeira vez no instituto biológico. Entre cobras e lagartos nos aquários, ainda impúbere decidiu o que seria pelos 78 anos seguintes: um herpetologista. Em português mais... vulgar: um zoólogo especializado em répteis e anfíbios.

Nunca pensou em ser outra coisa, Paulo? “Nunca”, postula. E por que o fascínio tão específico? O que répteis e anfíbios têm de tão especial? Após um breve suspiro, como que entediado pela pergunta, Vanzolini simplifica: “Eu gosto deles...”. Em vez de elaborar especulativos porquês, cientista que é, prefere se ater aos fatos como são. E por isso conduz a entrevista quase sozinho, contando o que ele considera as histórias, e feitos, mais importantes de sua longa trajetória. Seja nos laboratórios, na mata, em gabinetes – ou em uma longeva boemia. Foram manhãs e tardes de pesquisa que lhe deram o internacional nome de grande zoólogo. E noites e madrugadas que lhe deram a fama fora da academia, entre os milhões que preferem decorar sambas a nomes de espécies em latim.

Gabriel Rinaldi

TRIP-202_vanzolini_002

Paulo Vanzolini, o Zoólogo compositor

“Sou zoólogo!”, insiste há anos, se defendendo toda vez que alguém o acusa de ser sambista. “Um poeta de rua, na melhor das hipóteses...”. Assim, o autor de “Ronda”, “Volta por Cima” e “Samba Erudito”, dos mais consagrados sambas brasileiros, prefere gabar-se de sua assinatura em uma obra de título bem menos popular. Mas de implicações bem mais difundidas do que seus mais célebres versos. O estudo sobre a teoria dos refúgios, desenvolvido nos anos 50, tornou-se um paradigma científico que hoje é ensinado até em escolas secundárias.

Mas investir tempo e tutano em teorias como essa era um tanto herético para o status quo da biologia da primeira metade do século 20. “Eles diziam que era ‘fosfórico’ estudar especiação”, diz aos risos Vanzolini para um flutuante repórter. Fosfórico? “Era o jeito deles para chamar alguma coisa de bobagem”, explica, e emenda: “Naquela época o pessoal era tarado por descrever a espécie, dar nomes e só. Mas para mim isso era bobagem. O que eu queria saber era de evolução. De como as espécies apareciam.”

Um grande mistério em seu tempo, que desafiava o mais fundamentalista dos darwinistas, era a fabulosa biodiversidade amazônica. Tantas espécies, em inúmeras variações, convivendo em um espaço tão denso e próximo não correspondiam à lógica da seleção natural. Foi um estudo de Vanzolini, e insights do naturalista Ernest Williams, que determinou que antigas, e diversas, mudanças climáticas na região criaram espaços secos e isolaram certas áreas da floresta. Dessa forma os animais se diferenciavam e, quando a mata se adensava novamente, as novas variações passavam a conviver. Sem macular a mecânica evolutiva, Vanzolini ajudou a estreitar a relação entre geologia, clima e estudos estatísticos na compreensão do desenvolvimento e da distribuição da vida na Terra.

Espécie nômade, Vanzolini tornou-se doutor em Harvard, onde estudou e conviveu com lendas da biologia como o evolucionista Ernst Meyer. Embrenhou-se em todos os ecossistemas a que teve acesso. Tinha um barco laboratório na Amazônia, onde passou incontáveis dias coletando espécies, mapeando habitats. Circulou em todos os bares de São Paulo e do Rio, habitats de espécimes de raro talento como Adoniran Barbosa, Chico Buarque, Toquinho... Nessas explorações, urbanas e selvagens, que compunha.

Nada mau para um médico de formação. Por uma bem-aventurada dica de um amigo de seu pai, Paulo dispensou a faculdade de biologia dos anos 40 para ingressar em medicina. “O pessoal da biologia era muito boa gente. Mas quanta ideia errada...”, sentencia sem rodeios e segue contando as querelas internas, rivalidades pessoais e ideológicas da academia com a língua tão rápida quanto a dos répteis que estudou. 

(por Bruno Torturra - leia a íntegra aqui)


Viewing all articles
Browse latest Browse all 60

Trending Articles